08 abril

08 de abril

1991 - Movimento dos Sem Terra (MST) invade a fazenda São Pedro, localizada em Candiota, na época um distrito de Bagé. No ocorrido, seis policiais militares acabaram feridos e um agricultor foi morto.

*O fato fez parte de um histórico de conflitos por disputas de terras no Rio Grande do Sul. Além disso, o episódio rendeu um livro chamado "Terra! Raízes de uma família (São Pedro: Uma fazenda invadida)", escrito por Maria Conceição Avancini Netto.

** No livro "Governos e Governantes de Bagé - 1979/1992", escrito por Cláudio de Leão Lemieszek, o autor traz detalhes de como foi a primeira invasão de terras em Bagé, conforme reproduzido abaixo.

"Para se ter uma pálida ideia da gravidade da situação e de eminência da ação, apesar de todos os sinais indicativos não percebidos ou desprezados pelas autoridades, basta atentar para o relato do gerente do Centro de Treinamento do INCRA, João González, funcionário do Instituto lotado no próprio Centro de Treinamento e Triagem.

Depois de dizer que tinha conseguido assinar um convênio com o Hospital da Colônia Nova para o atendimento médico dos colonos assentados e informar que o INCRA havia enviado 16 toneladas de alimentos aos colonos e depositado no Banco do Brasil razoável quantia de dinheiro para os 'sem terra', disse que ele e os outros funcionários do Incra tinham deixado o acampamento no dia 26 de março, por total falta de segurança, vindo a se instalarem na sede do Ministério da Agricultura na cidade.

O inevitável aconteceu no dia 08 de abril. Perto de 800 famílias acampadas no Centro de Treinamento e Triagem do Distrito de Tupy Silveira, antiga Fazenda São Francisco, invadiram a Fazenda São Pedro, de 580 hectares, de propriedade de Antônio Carlos Carggiano Neto. A invasão não foi pacífica. Houve confronto com a Brigada Militar, quando acabou morrendo um colono e outros dois restaram feridos.

O contingente da Brigada era pequeno e não pode conter os invasores. Os soldados tiveram que se refugiar na própria Estância invadida, onde os colonos mantiveram como reféns 18 pessoas, entre eles o proprietário da fazenda, empregados, um tenente, um sargento, cinco soldados e amigos de Carlinhos Neto, que se encontravam no estabelecimento em solidariedade ao companheiro.

Os reféns foram humilhados, mantidos em cárcere privado, o que rendeu sequelas psicológicas a muitas dessas pessoas por longo tempo após o episódio. Não é objeto desse trabalho deter-se nos detalhes dessa invasão, mas para um maior aprofundamento no conhecimento do que se sucedeu naquelas horas de pânico, recomenda-se a leitura do livro escrito pela esposa do proprietário da fazenda, Maria Conceição Avancini Netto.

A culpa e a responsabilidade parece não haver dúvidas. tinham uma única causa: a falta de uma política agrária séria e responsável, e a imobilidade, para não dizer descaso, do governo com os colonos que estavam sendo 'depositados' (esse é realmente o termo correto) naquele "Centro de Treinamento". Fazia tempo que os colonos denunciavam as más condições em que se encontravam, em que fossem cumpridas as promessas feitas pelo INCRA. Naturalmente não se justificava qualquer invasão; ainda mais de forma violenta.

Os acampados logo fizeram suas exigências: queriam a presença do Ministro da Agricultura, Antônio Cabreira, do Secretário da Agricultura, Aldo Pinto, a compra de 5.000 hectares para assentamento dos colonos e a soltura de quatro colonos que estavam presos me Porto Alegre desde o ano passado.

A invasão foi manchete nacional na maioria dos jornais do país e, obviamente, a partir da invasão foram mobilizados vários setores do Governo do Estado, Prefeitura Municipal, partidos políticos, Movimento de Defesa dos Direitos Humanos, lideranças dos produtores rurais e o Poder Judiciário através do Juiz de Direito de Bagé, Carlos Roberto Canibal.

Acorreram para Bagé e tiveram participação saliente e definidora, entre outras autoridades, o Chefe da Casa Civil, Mathias Nagelstein, e o Secretário de Segurança Pública, Cel. Adão Eliseu.

A situação só ficou resolvida e normalizada na tarde do dia seguinte com a soltura dos últimos reféns, depois de várias horas de negociações. O Governo do Estado, através da Casa Civil, comprometeu-se com a aquisição dos 5.000 hectares, inclusive com a possível compra da Estância São Pedro. O Secretário da Segurança determinou a abertura de dois inquéritos: um para apurar as denúncias de torturas praticadas pelos colonos contra os reféns; outro para apurar responsabilidades pela morte de um dos assentados. 

Tanto o Governo Estadual como o Governo Federal afirmaram "que não trabalhavam sob pressão. É necessário respeitar a ordem pública e, enquanto houver atitudes de sequestro e cárcere privado, não haverá negociações". Entretanto, o incidente estava consumado e as promessas feitas.

Alceu Collares pediu, no mesmo dia, ao Governo Federal a liberação de recursos para a compra das terras prometidas.

O deputado Carlos Azambuja, que acompanhou os fatos, sugeriu que "o INCRA e o Governo do Estado juntos, únicos responsáveis por tudo isso que está acontecendo, deixem de lado os planos e ideias mirabolantes e partam imediatamente para ações concretas, tais como a retirada imediata desta gente desqualificada desta região, colocando-os em locais definitivos bem longe daqui". Alertava ainda que a cota de sacrifício de Bagé em receber colonos já estava esgotada, pois nos últimos 12 meses foram adquiridos 9.000 hectares no município.

Voando para Brasília, Azambuja teve audiência com o Presidente do INCRA que garantiu que estaria liberando verbas para comprar terras e resolver em definitivo o problema dos assentamentos. Não satisfeito, teve ainda audiência com o próprio Ministro da Agricultura, a quem relatou minuciosamente todo o episódio ocorrido em Bagé e a situação vivida em todo o Estado. Conseguiu com o Ministro a promessa de encontrar soluções imediatas.

[...]

A invasão e o confronto chocaram a população de Bagé. Centenas de pessoas, entre produtores rurais e representantes de diversos segmentos sociais, fizeram uma passeata pelas ruas centrai protestando contra as invasões de terra e pedindo tranquilidade para o campo. O Presidente da Associação Rural, Paulo Móglia, sensatamente, declarou que "apesar dos relevantes acontecimentos, do desrespeito à propriedade e ao proprietário da Fazenda São Pedro, daremos um voto de confiança ao Governo e ficaremos aguardando as negociações entre Estado e União para a solução definitiva do problemas, mas ficaremos mobilizados até que isso aconteça".

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